Ter anticorpos não é o mesmo que estar imune ao vírus

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O coronavírus pode permanecer no organismo de pessoas consideradas recuperadas da Covid-19 por um tempo ainda desconhecido. Segundo o o professor Eurico Arruda Neto, da Virologia da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto -USP, que já estudava essa família de vírus muito antes de o Sars-Cov-2 surgir, apenas ter anticorpos não significa que uma pessoa esteja imune à Covid-19. Arruda coordena o Laboratório de Patogênese Viral e diz que a carteira de vacinação, provavelmente com uma vacina com vírus inativado, será o passaporte de imunidade possível contra o Sars-CoV-2, o novo coronavírus.
“A ideia de passaporte de imunidade com base em testes de anticorpos não só é descabida por não ter base científica, quanto é perigosa. Os testes dizem apenas que uma pessoa tem anticorpos. Mas ter anticorpos não é o mesmo que possuir defesas e estar imune. A resposta imune é complexa, e envolve outros componentes além de anticorpos”, atestou, completando que o anticorpo é uma cicatriz sorológica, não é um atestado de imunidade. Ele é uma marca da exposição ao vírus presente no soro sanguíneo.
“A presença de anticorpos diz que uma pessoa foi exposta ao vírus e produziu uma resposta a isso. Mas isso não significa que ficou imune, pois a resposta pode não ser forte ou duradoura o suficiente, e tampouco que ela deixou de ser portadora do vírus. Claro, algumas pessoas com anticorpos de fato terão desenvolvido defesas, anticorpos capazes de bloquear a infecção, mas os testes sorológicos disponíveis em larga escala não são capazes de informar isso. O teste para detectar a presença de anticorpos neutralizantes, que não é um teste rápido, seria um indicador mais acurado de imunidade”, enfatizou.
O professor alega que ainda não se conhece a capacidade de persistência do SARS-CoV-2, mas sabemos que outros coronavírus podem provocar persistência, que é a capacidade de um vírus continuar “escondido” no organismo mesmo depois de a pessoa recuperar-se de uma infecção.
“Uma reinfecção tão precocemente após a cura clínica é altamente improvável. O que pode acontecer é que o sistema imunológico debelou parcialmente o vírus, mas não o derrotou de vez. Por alguma fraqueza, ele voltou a causar sintomas ou a se replicar, ainda que a pessoa esteja assintomática. Uma hipótese é que isso aconteça porque o sistema imunológico esteja ainda aprendendo a atacar o vírus e se adaptando a um novo patógeno”, informou.
O docente da USP conta que publicou, este ano, um estudo, no Journal of Virology, mostrando que influenza H1N1 fez persistência em crianças no Brasil. “Ele consegue se esconder dentro das principais células de defesa do organismo, os linfócitos, inclusive os do tipo CD8, células cuja duração pode chegar a décadas. Isso é como morar dentro do tanque de guerra do inimigo e usá-lo a seu favor. Essa variante de H1N1 que faz isso chegou a um ponto ideal do ponto de vista do vírus porque ele consegue continuar a existir e a se multiplicar. Não o suficiente para causar doença na criança hospedeira, mas o necessário para que ela o possa transmitir para outras pessoas. Não é do interesse do vírus que o hospedeiro morra porque ele desaparecerá junto. O SARS-CoV-2 é letal porque está adaptando-se a um novo hospedeiro, ou seja, nós”, disse.
O cientista alega, portanto, que o novo coronavírus continuará entre nós. “Causará muita infecção e morte nos mais vulneráveis e depois provavelmente se adaptará a permanecer. Não irá embora. Precisamos fazer logo uma vacina”, afirmou.
De acordo com o docente da USP de Ribeirão Preto, estamos aprendendo lições muito duras. “As pessoas estão brincando com o fogo. No Brasil, estamos muito mal. O governo e as empresas falam em retomada da economia justamente no momento mais crítico da epidemia. O resultado será um pandemônio. Se até aqui tivemos alguma redução de curvas de crescimento, foi graças ao distanciamento social, e reduzi-lo dará ao coronavírus um passe livre. O vírus vai bater na porta das casas e das empresas”, alertou.
Eurico acredita que só teremos um passaporte de imunidade quando desenvolvermos uma vacina, provavelmente feita com vírus inativado, semelhante à que é usada para influenza . “Só uma vacina nessa linha será capaz de provocar uma resposta imunológica, não apenas potente o suficiente para impedir o desenvolvimento da doença, quanto duradoura. Fiquei muito feliz com os primeiros resultados de cientistas chineses que imunizaram macacos com uma vacina contra a Covid-19 feita com vírus inativados. Ela é importante porque essa é a estratégia que pode funcionar e porque usou macacos, o modelo experimental mais próximo do ser humano. O próximo passo será testar com voluntários” salientou o pesquisador.

Segundo ele, as vacinas são seguras e feitas com vírus mortos. “Os coronavírus são revestidos de uma camada de lipídios, isto é, gorduras. Para fazer a vacina, essa camada é dissolvida com detergentes — e, por favor, não adianta tomar detergente como sugeriu o presidente Donald Trump porque eles são tóxicos, acho que todos sabemos. O detergente rompe o vírus, ele é despedaçado e fixado com formalina. Ele deixa de ser um vírus, não é mais infectante. Mas as proteínas que precisamos para que nosso sistema de defesa aprenda e se arme estão lá”, concluiu o professor Eurico Arruda Neto.

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